segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Fole

Procurei o doutor Raimundo
Que eu andava baquiado
Pois me disse o tal doutor
Para eu tomar um tal folato
Que o meu sangue andava fraco
Não sei se ralo ou ralado

Fui direto pra cabana do Mundim
O Raimundo sanfoneiro
E disse todo aguniado:
"Puxe logo esse fole
Largue a mão de ser mole
Toque um choro arrochado
Que eu preciso de folado"

Quando voltei, o doutor
Me perguntou meio de lado
"E o folato?"
"Doutor,
Voltei com o coração alforriado
E o pé bem esfolado,
Mas lhe garanto, me curei,
Lhe garanto! Tô curado!
Que eu até já voltei à minha labuta
De passar o dia deitado!" 
O branco no escuro é preto
O preto no claro é preto
Então me diga
Quem é que vive de aparência
Ou é uma questão de metamorfose
Ou é uma questão da metaciência

Igualzim

Um pèzim de pimenta sem sol
Na sombra do apartamento
É igualzim eu e tu
Cada um em sua casa

Vem morena mais eu prum banho de sol?
Vem morena, mais eu?
Tua pimentinha vermelha
Olhando pro céu?

Um peixim de água doce do Mearim
Um surubim
Numa bacia de água com sal
Na cozinha do apartamento
É feito eu e tu
Paradim em casa

Vem morena, mais eu
Teu Zèbedeu?

Porque palha de arroz 
Escondendo brasa 
Queima o pé pela raiz
Que eu sem ti
Tu longe d'eu
É feito olhar pro Sol
E ver um arranha-céu 
A uma légua daqui
Que é igual ao pescador
Sem vara e sem água
Sem pé de mudubim
Feito uma boca banguela
Que não prova que tem dente
Porque nunca sorri
Que é igualzim o pé de acerola
Dando uva passa
Achando que é feliz
Do jeito dum meio dia
Passando da hora
Atrasado 
É ser um imigrante 
A vida toda
Em seu próprio País

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Eu não preciso de ninguém
Eu vou só
Que na estrada, pé ante pé,
Fica pó
No rastro
Fica ré
Estrada sem sol

Eu não preciso de nada
E nem de ninguém 
Nesse barco dadá
Escravo que sou
Escravo de Jó
Já não jogo meu coração
Nas presas de iá-iá

Eu nem preciso 
De precisão
Manda o olho, a mão,
Nos cortes do pão
Pão de se comer, 
Quiçá,
De se partir
Pão de se cheirar

Pão amargo que já foi pão
Mas já não o é.
Jó libertado
Do seu escravo de Jó.
Barco afundado
Por seu próprio canhão.
Eu no caminho
Pé ante pé
Sem rumo