quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Queimada

O babaçu que cresce no morro cinza
Prova que sempre existe a proeza
De se viver em meio ao fogo farto
Que, do pasto e do quintal, serve a mesa
A vida não resiste e, inteira,
Perece ao redor desse coqueiro
E o coco, que não é coco de praia,
Mostra a força mesmo sendo o primo feio,
Posto que, se na beleza ele é o último,
Na morte ele é sempre o derradeiro!

quarta-feira, 15 de junho de 2011

E aí, sim
Há de se encontrar a alma, efim
Ao se abrir um coração
Que não é de brim:
Se rasga no fim de tudo,
Morre no fim, no fundo

E aí, então
Vais desprezar os restos
de tal coração
A festa fausta pisa o peito casto
Em mim, cuspe cáustico

A porta aperta, aparta, acorda
Vida morta
E nada volta
O fundo e a fresta gasta
aquela aposta
O não, o sim, o desejo da próstata
O anjo, A fera, A besta
O fisgo, o fosco

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Leia se quiser

Na pressa de limpar o cu,
após o gesto que aproxima a humanidade inteira,
às vezes mesmo em meio à caganeira,
temos a habilidade de um proletário industrial.

Papel na mão
(em dias ruins, o papel de jornal),
se corta
se dobra
dedo no centro
limpa
dobra
dedo no centro
limpa
dobra
lixo

Acontece que toda indústria,
por mais que funcional e pró-ativa,
tem sua taxa de erro que, taxativa,
a propaganda nega com ardor.
Assim também é o processo limpador,
cuja pressa ensina a ser ágil,
mas que a pressa torna, às vezes, frágil.

Afinal, quem nunca cortou o papel
e o corte saiu errado,
ou, quando o dobrou,
deixou exposto o outro lado,
ou não mirou o centro
e saiu da luta de dedo melado?

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Canto de Capoeira (Angola)

Meu mestre, eu não sou daqui
Venho lhe dizer
Eu venho de longe
Vim pra lhe falar
Se minha berimba hoje toca entre os filho de Luanda
É porque cresceu tocando por lá

Jeje, Jejé
Eu sou de São Luís
Jeje, Jejé
São Luís do Maranhão
Jeje, Jejé

Minha nação não é nagô
Sou do Queberentã de Zomadonu
Eu sou da Ilha da paixão

2008-2011

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Canto de Cursinho

Preso nesse mundo,

perdido em apostilas,

apótemas, propanoatos de metila,

desprezo o atrito social.

Quanto ao aspecto conjuntural

que move tal mundo que me ilha

o entendo ao trago de montila

de etanol que meu senso inibe,

junto à coca-cola diz-se Cuba Libre


Quando não, sem mesmo pensar,

cedo energia a um tal sistema,

e geme a ema num tronco

onde antes gemia um sabiá

(inda me reclama o mestre

do erro de tal nicho ecológico

Penso eu o poeta não é mágico,

mas se faz princesa deitar em pau-pereira,

por que restringir a cantiga à laranjeira?)


Lembra-me Alexandre, o Grande,

que, estudando na São Luís grega,

por Aristóteles dada a vida cega,

e por seu pai, a força de infantes,

disse um dia ante a cidade jônia:

Matem soldados, mal-amados, amantes

Façam mulheres morderem fronhas

Mas não toquem numa simples pedra

ou, de Fedro, numa oração canônica

Matem pessoas,

não idéias por esses anos,

deixemos isso para os imperadores

latino-americanos


Pois se um dia

eu imperar por algum canto,

decretarei que de debaixo de cada manto

só exista prazer, carne e nada mais.

Aliás, farei pó de tudo que é idéia

Ideologias não terão platéia,

e poesias serão escarro

Quem resistir querendo pensar

mandarei pra Alagoas,

lhe mostrarei músicas boas

e um maço de cigarros.

Quando cativo da terra amada,

terá então a saudade dada em suas mãos.

E vai ser o rebelde

pensativo como queria.

Não dou muitos anos para que,

ante a agonia, busque a ignorância

como nunca buscou o saber


Assim, com o conhecimento

acabado em meu mundo,

sem discussões que vão a fundo,

só se saberá de triângulos, Joules, carbonos

Com a história factual,

separaremos na escola o bem do mal.

Todos serão felizes na sábia ignorância

Mas sei que haverá um infeliz

que quererá a sapiência

e, na ausência de diretriz,

vai fazer tudo do zero.

Verá que a palavra não é um mero

molde de certo pensamento.

Descobrirá a dor do sentimento

e vai querer sobrepor o seu

ao de quem mais perceber isso.


E aí votará a haver sal

no nunca antes tão adocicado

mar oceano de Portugal

2008

Canto de Varanda

Aqui, da janela do apartamento,

Vejo todo dia, fim de tarde,

O sol descambando pra outra parte,

Pra onde voa meu pensamento.

E é pra lá que eu vou

É pra lá que eu vou

Quando o corpo venerar a alma,

A agonia se desfizer em calma

E o medo entrar em coma.

Vou me banhar numa cachoeira,

Comer de tudo sem receio,

Amar a feiúra do belo, ver a beleza do feio,

Chorar à toa, feito carpideira,

Vou tomar cana na mamadeira,

O leite eu tomo nas tetas da vaca,

Amar a vaca, o porco, o torto, o reto, o feto

o fato, o rato, o rio, do pinto o pio, o quinto,

o quarto, a sala, a sola, o solo da viola, a bola, a bala,

a fala, o fole, o bole-bole à tarde, a bolinha de carne,

A carne,

Eu quero sobretudo amar a carne,

Nem que lhe falte o cerne,

Que define onde o preconceito lhe cabe

Eu quero a carne, sem corante, sem tempero pronto

A carne crua, que já nasce ao ponto

A carne que afronta a entropia que manda

no antro e no derradeiro ponto do mundo.


09/05/2011

sábado, 30 de abril de 2011

Soneto da Dicotomia Sexual

A mulher, sabendo que um homem qualquer
lhe deseja mais que tudo em sua vida,
lhe atira o desprezo consciente
na face e o peito tiraniza

O homem, quando vê em sua face
o desprezo escarrado e o peito casto,
pensa logo "ai que vida de bosta,
que não presta se ela não encosta, em mim, posta"

Eu, mulher, possuindo-te, o homem,
te enjôo e te amo na medida,
pra não sair com fome nem ferida

Homem, eu, buscando opções ao amor,
Penso como teria sido amado
se tivesse optado em ser viado

30/04/2011

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Ah, minha linda, meu trem, minha trilha,
Não sabes se és caule, rosa ou folha,
Se esperas quem te pode ou quem te colha,
Ou quem beba de tua boca odes.

Não sabes o que podes,
Ou sabes que bem podes morrer em pranto,
Embora antes afogada que do encanto,
Pois teu choro é tanto e tão intenso,
Que não arroxeia o peito, teu peito imenso,
Mas inunda o coração, teu coração manso.

março/2011

Leitura Errônea

Minha leitura é um suicídio informal,
leio aquilo que não me cheira a carnaval,
aquilo que me é uma leitura errônea.

Meu suicídio é uma leitura medonha
de uma flor que se abre
e que, embora flor,
não se conhece a cor.

Uma violeta é tão formal:
Traz o peito roxo e diz ser tão belo o pranto.
Uma rosa é formal:
Traz o canto sem esforço. Diz ser Caetano, não canta, induz o canto.
É formal o girassol:
Sabe bem o que quer e não esconde, procura olhar de frente o seu encanto.

Minha flor, entretanto, é informal.
Não se lhe sabe a cor, o canto, o pranto, a dor, o amor, o mal.
Mas não me cheira a carnaval
e vem de uma leitura que me trocida,
Me caindo aos ombros
como um inseticida, é certo
enquanto eu, aranha,
tento provar não ser inseto.

abril/2011

Sintetizando

Do que eu quero tu és síntese
Não bem sei o que é apócope
A gramática é meu prato,
não meu trato,
Sou autótrofo!

És concreta e és a epífise
Do meu fêmur, assim não nego
Que articulas o teu nego
Que fui outro em tuas pernas

Assim sendo, me move apenas
Me és antiga e és moderna
Me és osso e me és simples
Inda não bem sei o que é sínfise

Em minha mão o príncipe
Em teu peito a fábula
Em tua boca o Papa
Em minha língua o povo

Em minha perna tíbia
Medial à fíbula
Em teu olho a órbita
Em minha mente,
Nádega

2009


Reconhecimento à Rainha do Daomé

Me fala, me acha, me espanta
O mundo não a conhece
O mundo, o todo a merece
O que lhe despreza lhe encanta

Sua poesia não merece métrica
A métrica não a merece
A métrica não a faria
A perfeição, de todo, não a diria

Seu riso ferido me ensinou a
sorrir
Minhas cordas feridas lhe ensinaram a
chorar
Derramei teu pranto, e mereceu meu
bordão
O sábio prostituto derramou teu pranto,
não merece!
bordel

Ainda assim me fala,
Me sorri, me abraça, me encanta,
Me acha, me mostra minha vida tanta
Me espanta! Ah, me espanta
O mundo da arte ainda não sabe
Mas é completamente teu
Hyandra

13/11/2006

Canto de caderno

Ultimamente tenho andando corcunda
Estou curvado sob as mágoas humanas
Curvado sem ter um canto
Curvado sem o menor encanto

Enquanto o mundo engole seu fugaz choro
Engulo sapos, águias, leões
Engasgado e meu grito desafina
Engasgado com saliva, com urina

Posso até gritar em vão
Mas nem que sufocado esteja
Nem que ao gole de cerveja
Nem que à bala do canhão
Grito com ou sem razão
Mas grito o que minha voz almeja
Grito o que o povo não deseja

É que, de tanto gritar o não,
Um dia haverá apenas sussurros
E ouvido algum no mundo doerá

22/08/2006

Canto de Capoeira (Banguela)

O pé que dá manga é a mangueira
O cajueiro dá caju
O pé que dá coco é o coqueiro
Tem coqueiro que dá babaçu
Tem pé alto que dá seriguela
Tem pé baixo que dá melancia
É mania da ingazeira
Dar ingá de noite e de dia
O pé que da jaca é a jaqueira
O marmelo dá na marmeleira
E qual é o pé que dá rasteira?
É o pé do capoeira
Qual é o pé que dá rasteira?
É o pé do capoeira

Quem toca viola é o violeiro
Quem toca violão é o violonista
Quem toca zabumba é o zabumbeiro
E a flauta quem toca é o flautista
Quem toca triângulo é o triangueiro
Matraqueiro toca na madeira
Quem toca berimba, atabaque e pandeiro?
É o capoeira
quem toca berimba, atabaque e pandeiro?
É o capoeira

2010

Praia Grande

Minh'alma se afogou na Praia Grande
no mundo da Lua
Não viu mais qua abaixo dela
ainda há uma rua
esperando um grito forte
pra se libertar

E há uma cancela
Há uma porteira
Há um rebanho que não foge
Há idéias que não entram
(pras que entram não há esperanças)

Mas vive a alma alegre em seu canto
em pranto, morto há um corpo
a desejá-la
E há uma roxa flor sob fraca telha
que, vermelha, em outros tempos,
dizem, suspirava o amor
Mas ainda não florou

E procura-se água em vão
E procura-se o corpo,
a alma não
Longe da Praia Grande
Onde está a esperança
pro meu desespero

2006




Cantos de Gaveta

No fundo da gaveta se encontram os cantos
que eu fiz questão de esquecer.
Esqueci-os tanto, entretanto,
que não passo um dia sem os ver.
Vi, outro dia, que havia um canto de amor
num papel de jornal,
junto à manchete que dizia
"mais um que o amor matou".
Esqueci-me de um canto magistral
sobre o diafragma e o nervo frênico.
Esse, me recordo, estava escrito
num pedaço de papel higiênico.
Havia até um samba alegre,
num papel de pão rasgado.
Não sei se o rasguei pra não sujar a mão,
ou se esqueci como se ri sem ter razão,
mas esse samba nunca foi finalizado.
Na madeira da gaveta,
risquei um canto que me atiça.
Nele, Caetano discorre sobre o ciúme.
Dele, quero fazer um canto sobre a preguiça.

No fundo da gaveta,
atiro cantos em que transformo em arte
o que, no fundo de outra gaveta,
são coisas de verdade.
Sendo assim, onde se lê "saudade do amor"
na gaveta do quarto,
pode-se, com razão,
ver o parto da dor
na gaveta do coração.

abril/2011