segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Coisas do Céu

Da Galiléia
Veio o Zé de Galileu
Que dizia que a morfina
Era a filha de Morfeu.
Botava pra dormir
Todo o povo doente do céu:
Dizia que o Diabo 
(Este tinha diabetes)
Não dormia sem antes
Escovar o próprio rabo
Posto que já não tinha dentes
Dizia que Jesus
Contraíra chagas
Quando foi fazer a barba
Numa casinha de taipa
Com um barbeiro judeu
(Vivia em ira pois sete vezes
Isso se sucedeu)
Dizia que até se dera
Uma briga de dois doidos:
Xangô achou um dia
Que era Deus e se zangou
E disse Deus
"Deus só tem um!
E com certeza não sou eu"
Rezou uma Pai Nosso
E falou no fim
"Graças a Zeus"

Zé de Galileu...
Tocava ritalina no berimbau
E sabia muito bem
Dessas coisas malucas do céu...

segunda-feira, 12 de maio de 2014

Grilo

Que o quê que nada!
Pra eu ser bicho grilo
Me falta um grilo inteiro, bicho!
Pendo mais pro grileiro.
Pela lei do capital
Capto teu cheiro
E som e tal
Mal e bem e enredo.
(Essa não era pra entender,
Era só pra me render algum dinheiro,
Um amor monetário
Ou uma maneta amoreira)

terça-feira, 6 de maio de 2014

Química

A tua física não me compete
Continuo escrevendo o que me compele
Não o que meu raciocínio manifesto
Viu por bem escrever

A tua linguagem não é do povo
Quanto mais tu fala isso
Menos o povo te aprova
E tu mais apavora o povo 
Cantado o teu rock'n'roll
De novo and de novo

Foi tu quem me deu
Não eu
O prefixo doutor
Escrevo assim porque foi assim que aprendi
Não finjo palavras erradas
Pra me darem valor
Oxi, deixe que escreva assim
Quem assim escreve por sinceridade!
Não tu, do teu apê no plano,
por favor

Escrevendo me lembro
Que toda vez que a luz muda
A sombra sai do lugar
Mas ainda assim
Não afasta teu rancor
Nunca precisei de doutorado pra atestar:
O que ainda mais te falta
É amor

terça-feira, 15 de abril de 2014

Da derme pra lá

Quando a pele é seca racha e sangra
(O sangue orvalho
A pele folha)
É o corpo do de fora que se molha
Pelo corpo do de dentro
Que brota e sua

Quando o sangue sangra
E a pele rasga
É o corpo do de dentro que banha
O corpo do de fora que se molha
E sua e chora
Pela sequidão da carne nua

O corpo do de dentro
É antes água
É vivo
É lúmino

O corpo do de fora
É morto
É couro
Hipócrita

São dois corpos no humano:
Conteúdo
(Sangue gema húmus 
Humor pus xilema)
E continente
(Bolha)

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

O Pé de Coentro e O Homem irmão do Homem

Eu plantei um pé de coentro
Na varanda do apartamento
Para ver se dava pé.
Meu pezinho de coentro,
No meio do apartamento,
Meu futuro dicumer.

Da varanda do ap,
Vi, além do condomínio
(Cuja bandeira monetária
Se estendia no portão)
Uma carroça de regalo,
Não puxada por cavalo,
Mas por um irmão feito cavalo
Por seu próprio irmão.

Gente!

Meu pé verde de coentro
Ainda era isento de cor:
Era botão.
Eu na varanda,
Com a mão suja de chão,
Olhava adiante
Aquele chão sujo de mão.

Chovia.

Meu pé tinha o mundo pra nascer,
Eu, que não via,
Tinha tudo para ver enfim.
A vida rasgando o chão,
Dureza sem fim.

Chovia.

Era dor que não se via
Na vida que pendia
Sob a pele do irmão.
Sustentáculo infame
Daquele eterno ia-não-ia
Revoltar-se com o patrão.

Gente!

O sol rebulia
Dançava em redor
Do meu pé de coentro
Dia após dia. 
A carroça seria a sebe de Apolo
Pois que cedo vinha
Rebentar o pano do céu,
Seu nincho,
E saía à tardinha
Para o seu arrebol.
Mas não tinha sol,
Tinha lixo.

Eis que enfim germina
O coentro feito em vida
Tão disposto a crescer!
Eis que o régo com meu ser.
Eis que cresce, e a semente do coentro
Me grita de sob a terra:
"Regaste o pé errado,
Esse é um pezinho de mato
A quem eu dei a minha vez"
Digo eu:
"Rasga-te meu amor,
Pé de coentro,
Me negando a vida e a flor
A cor e a vida que te dei.
Te recusa a nascer
Nesse mundo de estrume?
Vê!
Quanta matéria orgânica
Pra perfurar com teu cume!"
"Me recuso a nascer
Neste mundo de estrume."

Chovia!

E jamais se saberá
Se a água vinha ou ia
Das entranhas do meu olho.
Eu, fora do condomínio,
Sem a licença do tostão,
Já não me alegro:
Se me molho, me recolho.
Esse cheiro de terra melada
Pelo choro do trovão,
Esse cheiro de lamento,
Eu sendo cavalo do homem que,
No apartamento,
Rebuliça a terra
À procura de sustento.
Ele, 
Meu próprio irmão!

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Anjos

Chegará o dia em que a tua carne
Queimada ao fogo, ou sob terra e lama
Reclamará o corpo que hoje se inflama
Sonhando tarde um dia ser tua tenda

Hoje ele é fonte onde tu és fenda
Amanhã, fétida cor de langanha
Se hoje ele tem borboletas na entranha
Em breve só vermes serão sua prenda

Não negas assim um  corpo que ostenta
Tanto desejo por essa tua pele
Enquanto sois ainda dois marmanjos

Aproveita o fogo que a morte lenta
Apaga, fazendo, de ti e dele,
Mais um soneto de Augusto dos Anjos

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Da Alma do Vô Tõim

_Vòzinha, não é pela pessoa
É a situação!
Bem eu entendo sua saudade
E sua vontade de ver o velho
Na cabeceira de costume,
Na cerveja que se tome,
No cigarro que se fume!
Percebo que não há outra cara
Na ladeira de piçarra,
Que tem uma lágrima por grão.
O velho Antônio sei foi,
(Me perdoe, foi ou não?!)
E eu sei que cada estaca 
Tem sua marca de facão
E o seu facão,
A marca de cada dedo da sua mão,
Como seu peito tem, vòzinha,
Os sulcos dos dedos de vô Tõim,
E seu aço rasgueia
Cada pedaço do seu coração.

Não me leve a mal, vòzinha,
Até me leve a bem:
Se a vida se for como se deixou dito,
Já lhe digo que muitíssimo lhe amo também,
Mas fique, após a morte,
Onde lhe convém!
Sei bem que nos abaterá a saudade
Mas não penso ser bondade 
Que a senhora me resolva aparecer,
Penso que corpo gosta de corpo,
Não de almas à mercê...
Inclusive, caso se vá quando nunca esperado,
Lembre de dar o recado a meu vô,
A quem nunca ficou esclarecido
Não ser bom se dar 
Por reaparecido.

Não fique assim, minha vó Maria,
Não se zangue, que o vô no céu
Com certeza reflete a contradição:
Ter uma mulher cristã casta
E um neto ateu cagão.