segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Fole

Procurei o doutor Raimundo
Que eu andava baquiado
Pois me disse o tal doutor
Para eu tomar um tal folato
Que o meu sangue andava fraco
Não sei se ralo ou ralado

Fui direto pra cabana do Mundim
O Raimundo sanfoneiro
E disse todo aguniado:
"Puxe logo esse fole
Largue a mão de ser mole
Toque um choro arrochado
Que eu preciso de folado"

Quando voltei, o doutor
Me perguntou meio de lado
"E o folato?"
"Doutor,
Voltei com o coração alforriado
E o pé bem esfolado,
Mas lhe garanto, me curei,
Lhe garanto! Tô curado!
Que eu até já voltei à minha labuta
De passar o dia deitado!" 
O branco no escuro é preto
O preto no claro é preto
Então me diga
Quem é que vive de aparência
Ou é uma questão de metamorfose
Ou é uma questão da metaciência

Igualzim

Um pèzim de pimenta sem sol
Na sombra do apartamento
É igualzim eu e tu
Cada um em sua casa

Vem morena mais eu prum banho de sol?
Vem morena, mais eu?
Tua pimentinha vermelha
Olhando pro céu?

Um peixim de água doce do Mearim
Um surubim
Numa bacia de água com sal
Na cozinha do apartamento
É feito eu e tu
Paradim em casa

Vem morena, mais eu
Teu Zèbedeu?

Porque palha de arroz 
Escondendo brasa 
Queima o pé pela raiz
Que eu sem ti
Tu longe d'eu
É feito olhar pro Sol
E ver um arranha-céu 
A uma légua daqui
Que é igual ao pescador
Sem vara e sem água
Sem pé de mudubim
Feito uma boca banguela
Que não prova que tem dente
Porque nunca sorri
Que é igualzim o pé de acerola
Dando uva passa
Achando que é feliz
Do jeito dum meio dia
Passando da hora
Atrasado 
É ser um imigrante 
A vida toda
Em seu próprio País

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Eu não preciso de ninguém
Eu vou só
Que na estrada, pé ante pé,
Fica pó
No rastro
Fica ré
Estrada sem sol

Eu não preciso de nada
E nem de ninguém 
Nesse barco dadá
Escravo que sou
Escravo de Jó
Já não jogo meu coração
Nas presas de iá-iá

Eu nem preciso 
De precisão
Manda o olho, a mão,
Nos cortes do pão
Pão de se comer, 
Quiçá,
De se partir
Pão de se cheirar

Pão amargo que já foi pão
Mas já não o é.
Jó libertado
Do seu escravo de Jó.
Barco afundado
Por seu próprio canhão.
Eu no caminho
Pé ante pé
Sem rumo

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Fisiológico, Difícil e Lógico

Meu esquerdo coração
Já não sustenta essa pressão 
De catorze, sistólica,
E de dez duma diástole eufórica,
Que teima em não ceder.
Talvez ela pense que não,
Mas meu pulmão 
Já não incursiona
A vinte ventiladas por minuto
Sob a aréola masculina.
Sê minha, menina!

O giro do meu cíngulo
E minh'alma hipocampal
Estão encharcados de serotonia
(A dopamina já não a regula down)
De tanto minha retina, minha fóvea,
Focar sua óbvia melanina.
Sê minha, menina!

Eu pegaria meus estribos
E cavalgaria por um ou dois arcos farígeos
Aonde quer que ela fosse.
Empunharia meu martelo
(Mas nunca uma foice)
E faria ossículos de metal
Sob a escama temporal
Em minha assídua bigorna
Para um dia eu acordar
E ouvir essa voz que me nina.
Sê minha, menina!

Chamo meu fígado de liver
If she wants to live with me.
Chamo o meu coraçãozinho 
Mon petit coeur
Se ela disser que bem me quer,
Ou que ela quer a minha sina.
Sê minha, menina!

Eu me daria um tiro na garganta
Pra ver o quanto ele arranca
Da minha tireóide de fato.
Assim meu tempo passaria
Mais devagar ao seu lado. 
Eu, preso a ela,
Ingeriria tiroxina livre,
Livre de mazela,
Para vê-la melhor
Com minha exoftalmia.
Será que ela me amaria
Com a garganta em caseína?
Sê minha, menina!

Eu, estreptococo,
Tu, penicilina,
Eu, prolactinoma,
Tu, cabergolina,
Eu, nefropata,
Tu, lítio e cocaína
Me mata, mas sê minha,
Minha menina!

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Pai Troço

Deus meu, eu sei que eu posso
Mas saiba que não é fácil
Quanto mais eu faço
Mais eu me distorço
Quanto mais eu torço
Menos eu me esforço
Tu, que foste pai possesso
Podias olhar do céu pra esse poço
Que, do vício, eu permaneço
Pois quando eu ouso um passo
No samba, na bossa,
Eu nem disfarço
Mas me consome o remorso
Como ao lápis consome o traço
E a moça consome o moço

Pai vosso que estais no seu
Sacrificado seja o céu
Se acaso não me deis força
Mas livrai-me do maço,
Amém!

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Pra que isso

Marcela foi a primeira paixão
Joana, o primeiro tesão
Aline, o primeiro trato
Edilene foi a primeira de fato
Aquela dos olhos verdes no carnaval
Foi a primeira do tal amor platônico
Marcela me deixou atônito
Ana Clara foi a primeira voz
Juliana foi primeira de nós
Edilene, a primeira de um rapaz
Aline, a primeira que eu deixei pra trás
Larissa foi a primeira cor de cuspe
Nice, a primeira de fuligem
Carrapato, a primeira fuleragem 
Ana Lívia, a primeira virgem
Rosana, a primeira do exílio
Ananda, a primeira por alívio
Nathália, a primeira atrás da igreja
Nathalia foi a primeira discussão com os amigos de cerveja 
Atrícia, Marcella, Iara
Esmeraldas, grandes conquistas
Mila, o primeiro amor de odara
Camila ainda não entrou na lista
Amanda se doara
Antes mesmo da conquista
Priquito de Borracha, numa noite trágica
Aninha, mágica
Cíntia, só física
Bárbara foi mais que desejo
Alessandra, só babujado
Alê foi só um beijo
Bebella foi o primeiro amor
De papel passado a limpo
E a primeira grande decepção
E queda do limbo
Ritinha, meu primeiro não
Das três irmãs, fui o último irmão 
Mas não cheguei a ser o último primo

Isso tudo pra falar de ti
E tu, quem foi?
Quem foi nada,
Quem tu é!
Meu primeiro e único 
Inesquecível

No Forró

Teve ciúme nos teus olhos
Teve, que eu sei
Teve ciúme nos teus olhos
Teve, meu bem

E nem adianta me dizer
Que teu olhos de Cleópatra
Se apertavam só pra me ver melhor
Que a tua boca de Iracema
Se contraia só por ela só
Que era ciúme que eu via
Quando a morena vinha e ia
No meu braço e além
Ela quase meu neném 

Teve ciúme nos teus gestos
Que eu bem sei
E teve suor na tua testa
Ora, se teve, bem

Mas vá indo que eu sei
Que tu não me quer por bem
Se não, quer também
Que eu seja mais um escravo
Do teu vai e vem

Teve ciúme teu sorriso gostoso
Que eu sei
Teve ciúme nos quadris
Teu Rogaipornozamém

Que era só abrir meus olhos
Que lá tava tu, sendo tu que só tu
Mole que só o tiú
Preta que só o jacú
Eu lá nem aí pra ti
Tu me cozendo, eu teu tutú 
Eu lá nem te olhando
Tu me açoitando
Eu a teu mando
Tu me negando tu  

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Marcas de passos no Jardim

Os caminhos formais
De ângulos retos
Formam quadrados
Mas os passos vão na hipotenusa
No manto de grama do caminho
Lembrando que o Estado manda
Mas nem tanto,
Que o pé vai sozinho
Pelo rumo mais rápido
Não pelo mais certo,
E a terra aberta
Lembra que já de nascença
A grama vai mais macia
Que o concreto
E que o concreto
Só não é tão armado
Quanto o Estado manifesto 

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Revolta

O canto que acata a voz dos de baixo
Vem de cima
De cima da cama de palha
Do estofado de molho 
Num balde na tralha do quarto

O canto que acalanta o olho molhado
É farto
É farto de fome e de sono
E ainda assim é firme
É firme o choro e o canto
No canto do quarto 
Que vive num filme
Em preto e branco
Numa foto em quatro por quatro

Não vem das cores da Globo
Nem das folhas do Globo
Vem do globo ocular e da garganta
Seca firme e fraca
O choro branco e o canto preto
Da pele preta e branca
Do peito branco e preto
Das camadas mais altas da sociedade
Na escala do medo

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Olha!

Na galha que balançou do coqueiro
Eu senti o cheiro que tu me mandou,
Nathalia
Eu achei meio palha que tu me negou mais um beijo
Quando eu te pedi um cheiro que valha
Olha que me negar é tua falha
Que eu sei que tu me quer no teu espelho
E eu te quero sob minha telha
Tu me usando de tua malha
Eu te olhando de esguelha
Tu esquecendo minhas falhas
Alho calha bolha folha tralha
Isso tudo rima com teu nome
Mas não rimam com a marca que eu quero deixar hoje a noite no teu cangote
Um cheiro e até mais tarde,
Nathalia!

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Dunas

Por que tu não te deita no meu colo
E me diz que se acaso eu morresse
Tu me seguia pelo céu ou pelo inferno?
Por que tu não diz que não quer 
Que eu não mude nunca
Que eu sou a coisa mais gostosa
Que tu já viu no mundo?
Por que tu não sorri pra mim
E pede pra eu te abraçar pra sempre?
Morena, tu ainda não sabe do gosto delicioso
De uma mentira maliciosa

Por que tu não te deita na areia
Olhando pro mar inverso
Enquanto eu mordo tuas pernas?
Relaxa, morena,
Que tu vai sorrir quando minha barba
Roçar tua flor
Lambendo pétala por pétala
Minha mão coçando teus seios
Célula por célula

O que tem de mais na areia, morena,
Entrando no teu corpo
Junto com meus corpos de cavernas?
Nós viemos d'areia, preta,
Só vou devolvê-la ao teu útero
Junto com o açúcar
Que há de povoar o mundo!

Morde tua boca, morena,
E morde a minha no caminho
Depois vai passear nas dunas
E me deixa um pouco sozinho
Posto que eu sei que tu nunca vai me perdoar
Por te cantar sem nem uma riminha
Tu lá escancarada
Eu, cá, tão moderninho

segunda-feira, 22 de julho de 2013

A mente, remela

A alma pede
A mente luta
Ô mente bruta!
Que fede até de longe
A labuta

A alma insiste
A mente nega
Ô alma besta!
Que mais do que do sono
Gosta da sesta
E mais do que desta
Gosta da sexta
Que tem sono, sesta, sexta
E cachaça que num presta

A alma fecha o olho
Seu espelho e tesouro
E amolece a perna
Num embate
Gritando por dentro
"Cinco minutos ou morte"

A mente contrai a bexiga
E é mãe da insônia
Quer pôr de pé a alma à força
E se entrosa dizendo
"Não durma, minha linda,
A vida é massa"

A mente pinica o corpo
A alma coça
A alma tem mau hálito
A mente cheira
A mente, remela
A alma, lágrima
A alma se lastima
A mente ri dela
A mente lembra ela
Que ela não vive só
A alma quer mais tempo
Pra achar um amor
A alma tem sono
A mente, fome
A mente quer ouro
A alma, fome
A alma grita
"Porra, me deixa dormir"
A mente aproveita o momento
E se levanta de repente
Pra mais um dia sem alma
Ou com ela espancada em calma
Um tanto doente

domingo, 14 de julho de 2013

Coco Cotidiano

É um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
Deus me livre dessa seita
Que o patrão é Jeová 

É um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
Ritalina no café
Sertralina no jantar

É um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
Me ame triptilina
Que eu vou me apaixonar

É um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
Mais dez anos desse jeito
Eu vou me auto suicidar

Mas é um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
Um barbitúrico eu comprei
Pra eu poder me barbear

É um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
Tem um que segura a merda
E o outro é pra cagar

Um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
Eu me benzo diazepínico
Pra noite começar

É um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
Escitá-lo mais fluoqui
Com banana e fubá

Mas é remédio pra dormir
E o outro é pra acordar
Tem um que levanta a rola
E tem outro pra gozar

É um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
É café café café
Até o café acabar

É um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
Um que faz eu ler o texto
E o outro é pra lembrar

É um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
É a coca pra correr
E a diamba no sofá

É um remédio pra dormir
E o outro pra acordar
Que essa tal mudernidade
Que se vive na cidade
Já está pra me matar!

O Sorriso

Por todo o dia só me faz falta Um sorriso!
Sei bem qual não é:
Não é o de uma nêga maliciosa
Nem tampouco o de uma de olhar bondoso
Que essas vez por outra sorriem pra mim.
Não é sorriso de mãe, nem de vó
Nem de pai também que esse sorri pra mim todo dia.
Não é sorriso de lua,
Que todo mês o tenho mais de uma vez. 
Nem dos amigos, que sorriem quando me querem
Fazer rir.

Dizer qual é o sorriso é mais difícil. 
Só sei que ele parte de mim.
Por todo dia só me faz falta Um sorriso.
O de quem levanta
E anda até o alpendre ou à varanda
Minutos depois da toada
Entoada pelo vendedor de cocada
Que vai com dois jacás gritando e erguendo a mão
"Na frente tem cocada, atrás só tem pão".
É um sorriso sem furdunço de metrô,
Sem reclames
Sorriso de quem ama poder levantar da cama.
É de quem vê um bode cagando na plantação,
Cocô de poodle não!
Sorriso de quem levanta os sovacos
Se estica todo, fica na ponta do pé,
E mostra os dentes quando se estalam as costelas.
Pensando em nada,
Nada delas!
Sorriso de quem tira as remelas com tempo suficiente
De atravessar as ladeiras e paralelas
De uma cidade grande e bela
Onde eu jamais poria novamente o meu par de chinelas
Se acaso eu pudesse...
Sorriso que não se avexa, que coça o bucho.
Não esse sorriso esdrúxulo 
De inibidores tricíclicos de recaptação de serotonina.
Riso de criança malina.

Me falta todo dia todo o dia
Um sorriso sem essa apatia.
Sorriso de quem dormiu bem
E da bom dia
Ao próprio dia.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Indo pras férias

_Não acredito, vou viajar com uma atriz!
_E eu com um médico! Vou poder fingir que tive um desmaio e ainda ser atendida!
_E eu nunca vou saber se fiz um procedimento ou uma peça!
_Cena, meu querido.
_Síncope, minha preta.
_Ah, te fode!
_O que você quer dizer com isso?
_Sacanagem, fingi que surtei...
_E eu, que iniciei uma consulta psiquiátrica! Um cheiro.

domingo, 7 de julho de 2013

Chega aí, vou te mandar um caso reto!

Eu vou só,
Assumo

Caso Eu não esteja aqui,
Tu somes

Ele vai lá
E nem sabe quem somos

Quem somos nós
Eu mais tu?

Ou ides a sós?
Falo de Vós

Eles já sabem 
que Tu não vais com eles

Que se Tu fosses, iriam Vós
Se Eu fosse, Nós
E se ninguém mais quisesse ir nem ficar
Nem fazer mais coisa nenhuma, ainda assim
Choveria sobre nossa voz!

DR

Esse dedo em riste
É o fim do início de um filme triste
Que já não se insiste em se ver
Ora, antes ligar o mute da tevê
Que ser sempre surdo à tua voz
E ser cego ao te ver

Esse dedo em riste
É o início do fim da inocência
Que amor sem fim
Agora parece aparência
De um fim sem amor
Num filme para se ver só

Vendo tela quente, pensando se se ama,
Sentado na cela, comendo banana
 

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Era um Soneto

É a primeira vez neste século que assumo
Que já não posso viver tão angustiado.
Pois venho inaugurar este meu novo lado
Que tem Deus por início, por fim e por rumo

Quis assim fazer uma epopéia em dez cantos
Pra louvar o Rei como ao rei louvou Camões.
Quis fazer prosopopéias, odes, canções,
Desses tipos que há tanto tempo fazem tantos

Aí pensei que eu posso ser como o Gregório,
O que fazia a Deus um soneto notório,
Mas em outro dia escrevia à fuleragem

E agora que acabo este segundo terceto
Eu percebo que, de certo, faço um soneto
Mas queria deixá-lo mais à minha imagem:

Foda-se!
  

O que rola por aí

É doido pensar que enquanto eu penso
Nos leucotrienos, nas selectinas,
Nas integrinas e nos tromboxantos,
Tá tudo rolando
Sem nome aqui dentro

É doído pensar que se pensou
Que da glande pulavam lípides
Que nasciam na próstata
E no sêmen se iam chamar prostaglandinas,
Quando se sabe hoje que eles provêm das vesículas seminais:
O que mais leio tão intensamente
Que não rola aqui dentro jamais?

E o plexo braquial?
Parece que é ele quem ainda levanta meu braço
Sem se importar se eu ainda lhe tenho ciência,
Bem ou mal,
Ou se lhe sei os caminhos
(O que não sei por sinal)

Lá vai o organismo sozinho
Sabendo que a consciência racional de si
É um quase nada de porra niuma
Do pentelho dos ovos do mucuim
Do que rola por aí

domingo, 30 de junho de 2013

Mais logo eu vou

Depois do dia longo
Eu deito e sonho acordado com o sono REM
Ai meu deus, e o sono não rêim!

Eu fico parado e viro veloz meus óio
Boto meu eyes num rapid moviment
Pra ver se a insônia se rái
Aí meu pai, que o sono num rêim!

Eu me encango e mungango
Me reviro e embolo a canga
E o sono rêim, mas logo se rái e num volta mais
Ai, que ai, que o sono se rái!
Eu arrocho o mel da Roche
E o sono não rêim!

E oi aiá, a hora é essa, meu sinhô
Ai oiô, já é hora que o galo cantou!

Eu me benzo e me enfezo
De pé pra outro dia cínico
É quando bate à nuca
O benzodiazepínico

Vou só cochilar e mais logo eu vou!
E oi aiá, a hora é essa, meu sinhô
Ai oiô, já é hora que o galo cantou!

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Bom dia

Eu ouvi por aí que a censura acabou
E aí, posso te dar bom dia?
Não pense que é questão de orgia ou de amor
É mais porque tudo tá bom 
E... bem... é dia!

Que coincidência saber que isso tudo acabou
E está de dia
E me deu na telha te dar bom dia
Não que eu tenha gastado meus dias
Esperando o fim desse falso amor

Mas me deu na telha,
E ainda tem fogo na palha,
Talvez eu erga uma sobrancelha
E jogue fora a navalha
Pra te roçar a nuca com a barba desfeita
E cheia de falha
Já que ainda tem um pouco de palha na telha
E tem um pouco de ti em mim, na thalia
Um pouco onde antes havia

Então,
Bom dia!

domingo, 23 de junho de 2013

Indo Dormir

Eu fui passar fio dental
Quando lambi o dedo
Tinha gosto de metal

Olha que eu fui passar fio dental
Quando lambi o dedo
Tinha gosto de metal

Mas o gosto não era cobre, alpaca ou zinco
Nem prata, níquel, aço, nem latão
Olha que o gosto num era gosto de ouro
Que eu não tenho um tostão

Mas vê que eu fui passar fio dental
Quando lambi o dedo
Tinha gosto de metal

O sabor nera cobalto
Que o preço é alto
Nem era tungstênio 
Que eu não tenho no âmago do bolso
Um real pra ligar a luz pra estourar a lâmpada
Que me melaria o dedo com tal gosto

Perceba que eu fui passar fio dental
Quando lambi o dedo
Tinha gosto de metal

Eu vi que eu não lambia chumbo
Que eu não tiro raio-x e sou de paz
Nem também era chumbinho
Que não é metal, e eu já achei meu rumo
E não me sinto mais sozinho

Não era cálcio pro osso
Nem lítio pra fossa e pro alvoroço
Nem magnésio pro leite de magnésia
Não era sódio, nem potássio nem estrôncio
Ai, nem deus, não era frâncio nem césio

Eu sei que eu fui passar fio dental
Quando lambi o dedo
Tinha gosto de metal

Ora, eu fui passar fio dental
Quando lambi o dedo
Tinha gosto de metal

O metal era chorado
Tinha um gosto encavacado
Do bordado de um bordão
O sabor era envergado
Do arame da berimba do berimbau
Panderício, guitarreiro, enviolado, 
O sabor ia molhado de suor e de tensão
Tantanúrico, repiquenécio, enzabumbado,
Estranho e cotidianamente normal
Era o gosto que eu senti
Quando eu passei fio dental

domingo, 9 de junho de 2013

Pro Ti

Ei Ti,
Eu deixei pra ela meu pensamento exposto
E ela me deixou o pensamento imposto
Daí eu fiquei sem chão

Ti,
Será que ela tem razão?

Ei Ti,
Ela me tem tanto gosto
Eu na lembrança só tenho um rosto
O dela, como não

Ti,
Me dê tua bênção

Ei ti,
Ela me deu uma flor de trás dum arbusto
E mexia como só ela o busto
A flor era mais flor que botão

Ti,
Por que não?

Ei Ti,
Por mais que ela apague a luz da minha festa
E que não se ore se a mesa não for posta
Faço de mim besta e dela, oração

Ti,
Se eu tiver que viver assim
Que eu faleça assim então!


Tu

Não me sobrou nenhuma opção
Só tu
Mas tu é um saco
Vai tomar no cu

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Ciência

Tu morde minha carne
Sem saber o quanto de mim é água
Talvez assim minha carne tenha sólida textura

Tu te prega no meu suor
Sem saber o quanto do meu suor é muco e uréia
Talvez assim tu me tenha por melhor cheiro

Tu lambe minha pele
Sem saber o quanto da minha pele é carne morta
Assim talvez o que há de morto em mim tenha mais sabor

A minha língua tu degusta
E bem sabe que em troca a tua é degustada
Sem ciência, tua língua só tem a ganhar em sabor e textura e odor

Tu recebe minhas metades
E nem se dá conta que tuas metades esperam pelas minhas
E que nossos gritos em nada assustam o que de haplóide há em nós

Em fim, tu descansa trêmula em meu peito
E não liga que te sustenta em parte osso, água, ar
E em parte citoesqueleto

Eu sorrindo, me achando dono de tudo
Nem percebo que, repousada, tua alma espontânea
Acaba de subjugar o meu limitado senso de mundo 

domingo, 2 de junho de 2013

Anamnese

Pode né... 
É Maicon, com ípsilon e com ó-dáblio-ene no final, Maycown, mas lê Maicom. Nunes. Vinte e três. Ah... solteiro mesmo. Eu corto cabelo. É, cabelerêro. Olha, é assim, eu nasci aqui no DF, mas eu morei muito tempo em São Paulo. É, agora tô aqui de novo. De casa mesmo, mas eu fiquei um tempo internado em Águas Lindas. Olha... assim... tipo... eu tô bem, num tô com nada. Eu vim porque eu desmaiei. Sei lá, eu senti falta de ar e caí, aí quando eu acordei tava na cama já. Eu lembro que eu tive uma dor forte. Na barriga. É, aqui assim. Tem três dias. Então, foi só isso mesmo. Tá, o cocô e o xixi tá normal. Ah, sei lá, é estranho falar disso... rarrarrarrá... ah, faço todo dia, é normal, só tive dor esse dia mesmo. Vomitei não. Uso não. Não. Não. Não. Às vezes. Parei. Uma semana! Rarrarrá... Eu fumava uns dez por dia. Parei quando eu vim pra cá. Olha, eu vou falar pra você, mas não anota aí não. Já fumei muita maconha e cheirava também. Coca, mas eu parei quando eu fiquei amarelo uma vez. Emagreci uns 10 quilos. Em um ou dois meses. Cinquenta e sete agora. Do desmaio? Tá! Eu não lembro antes, só essa dor bem forte e eu tava indo pro banheiro. Aí meu irmão me levou pra cama. Eu moro com ele desde que eu tive uns problemas... Rarrarrá. Rarrarrarrarrá. Tipo cheiro de que? Borracha queimada? Rarrarrá, senti não. Meu dedo não mudou de cor. Assim, ele é pintado assim, é azul né... Rarrarrarrarraaá! Não. Não. Não. Não teve falta de ar não. Não. Eu não sei quanto tempo foi, que eu tava desmaiada! Rarrarrá! Síncope? Ah tá. Hanram, sou, positivo, mas eu não gosto de falar disso. Bonito esse livro! Eu adoro roxo, como é o nome? Leio. É, sou positivo há um ano, que eu sei né?! Um médico me passou um remédio, mas eu num tô tomando não. Não. Não. Tô. Não. Não. Dêxa eu ver? Já disse que sim, oxi. Qual é o nome? Tá: grande ser... Sertal... Sertão! Grande Sertão, dois pontos, Veredas. Você lê muito né? Vocês sempre vem aqui e falam um monte de coisa estranha, eu não entendo quase nada. Mas tem coisa que a gente entende, eu falo bem, é. Terminal mesmo! Veio um cardiologista gordo, brigou com vocês, falou isso. Oxi, eu entendi! Num gostei não, falei pra ele não vir mais aqui! Foi.............. então, num quero falar disso não.................. Pois é............. Guimará... É, ãe, ães! Guimarães Rosa. Quer escrever? E você não vai ser médico? Oxi, escreve depois! E vai escrever melhor que ele! Não se rebaixa, gato! Tu não tem que se comparar com esse Guimarães-não-sei-o-que! Você fala bem, é educado... bonito... Rarrarrá... Tô brincando, mas vai escrever bem sim! Então, eu descobri que era agá-í-vê positivo porque o médico disse pra eu fazer o exame. É que... tipo... foi assim... tipo assim... é... tipo... eu morava com um cara... era casado com ele tinha dois anos... aí um dia ele passou mal, desmaiou, entrou em coma... aí ele descobriu que tinha AIDS... é, aí o médico disse pra eu fazer o exame... tô bem... ele tava avançado já. Eu fiquei bem, aí eu parei de tomar o remédio................ é............. tô bem, tô bem, relaxa....... (eu amava ele)..... é, no passado....... tô bem!..... ele morreu no mesmo dia.......... não sabia que tinha......... não sabia que tinha me passado...... é, tô bem!....... sabe...... É..... tipo.... eu tentei me matar....... meu irmão não deixou...... eu amava ele. Tem um raio xis aqui. Tô bem, tranquilo. (Vem aqui que eu te mostro, meu bem). Não, nada, pode olhar aí, o leucócito que parece que tá baixo, setenta e pouco. Parece ruim né? E você, é de onde? Do Rio? Ah, eu tinha um amigo do Maranhão. (Eu amava muito ele). Nada, morou comigo. Tá depois eu vou ler esse Guimarães, quando eu sair daqui! To doida pra trabalhar logo! Rarrarrarrá! Tá bom, prazer, pra você também. Depois eu vou conhecer o Maranhão viu! Rarrarrarrarrarrá, tô bem! Brigada! Tchau!

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Meia Noite

O cansaço soa
O sono se nega
A cabeça voa
A mão sua e se coça à toa
O olho não prega
O cansaço perdura
A boca sêca
A rola dura
O ombro torto
A pele nua
O esternocleidomastóideo
Espicha o pescoço
Pra se deitar de bruço
O cansaço maduro e imundo
Apodrece e vira o esforço
De sustentar de dia
O próprio mundo

Pois, da cabeça, a insônia é menestrel,
E a boca melada de rivotril
Da língua ao céu
Deixa a vida por um fio
Com o prazer sem ânsia
De um bêbado que dança e coça a pança
Saindo tonto de um bordel



 

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Humildade em Fá

Perceba que na pauta Maior
Quem vai ao Sol tem um só sustenido
Na nota que se faz pura
Pondo-se em Si um bemol

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Se Tu

Se tu fosses mais magra
Teria um tom melhor teu visual
Se tu fosses mais alta

Se tu fosses mais calma
Quem sabe como serias
Se tu fosses mais falsa

Se tivesses um sorriso
E não fosse apenas vestido
Se tu tivesses mais ouvido
Ah, se tu fosses mais riso e mais sentido

Se tu me quisesses mais
Quando eu te queria tudo
Quando meu peito era mais fundo
Se tu me quisesses imundo

Se me mostrasses a flora
Se tivesses flor alguma pra abrir
Se fosse na melhor hora
Se fosse mesmo agora
Se quisesses, embora,
Já mais nada queira eu de ti

Se me tocasses a alma
Se tivesses uma pra tocar
Se saísses da minha boca em forma de som
Se eu não perdesse o tom por ti

Se não fosses em nada diferente
E nossos quereres tivessem se encontrado
No mesmo compasso de outro tempo
Penso que talvez hoje
Fosse eu por ti
E tu por mim


2008-2013

domingo, 24 de março de 2013

Enigma

Nos teus olhos tem uma tristeza
Que eu nunca soube decifrar
Nem nunca a mim isso me coube

Da tua boca um sorriso salta facilmente
Mas por que será
Que não sabes disfarçar a alma em pranto?

Penso que teu enigma
É não saber se entregar,
Não a Deus ou ao Demo, nem à foice ou ao sigma,
Mas ao corpo nu que te deseja de fato num prato de quatro

Minha preta,
Pra que tanta fossa?
Ei morena,
Por que tu não goza?

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Do pé de pitomba

Levei um tombo
Do pé de pitomba
Caí com o lombo
Por sobre uma pomba
Dormindo ao mocambo
Debaixo da sombra
Do pé de pitomba

Corri feito o Rambo
Levando um rombo
Acima do rabo
Entrei num biombo
Defronte a parede de chumbo
Fizeram uma tomo
Que acusou ter um trombo
Em meio à penumbra
Do pulmão já molambo
De tanto cachimbo
E com tanto chiado

É....
Quase que paro na tumba
Mas, como saí meio bambo,
Voltei para o pé de pitomba
Pra chupar a diamba
Assobiando uma rumba

Medo

Eu tenho medo de alma
E de gente viva egoísta
Eu tenho medo de cobra
E de cobrança de afeto
Eu tenho de estar de olho aberto
Quando o fim do meu mundo chegar

Tenho medo de perder
Dinheiro em mão errada
Tenho medo de perder
Meu tempo no peito errado
Eu tenho muito mais medo de perder
Do que de nunca chegar a ganhar

Eu tenho medo de sangue
E de não sangrar
Eu tenho medo de amor
E de não amar
Eu tenho nojo de merda!
Eu tenho nojo e medo de quem só pensa merda
E se disfarça de quem tem a cabeça aberta

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Camomila


Outra vez larguei o fumo
Que me amarela os dentes e me aperta o peito
Me deixando sem jeito
De te sugar os peitos e te deixar sem rumo

Com o fumo, se foi a cana
Que, tu bem sabe,
Me faz um apaixonado inconveniente sacana

Com a cana, o café,
Que me deixa prostrado na cama
Pensando em ti e no fumo
E, ainda por cima, é da mesma cor que tu é

Larguei tudo na segunda,
Mas na sexta, que maldade,
Fui, em franca ansiedade, preparar um chá qualquer.
Pois o chá de que dispunha
Era chá de camomila,
Que tanto lembra teu nome
E que tu não visita minha cama
E que tal cama nem mesmo está na fila

Corri pro bar desencontrado tal qual menino
Peguei uma garrafa da amargosa
Bebi uma carteira de cigarro
E o café fumei sorrindo.
Isso tudo fiz pensando que
Se teu coração me é tão desumano,
O mundo sem ti
Também não me é mal vindo

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Papo Complexon


Tu vens com esse papo complexo,
Eu desconvexo
Tu queres algo com nexo
E eu quero o básico
Tu vais de clássico
E eu, do terceiro milênio,
Sou o terceiro milésimo
A te querer jogar porrinha
Mas tu só jogas tazo

Eu, que fui bicôncavo,
Agora, biconvexo,
Queria te oferecer
Algo próximo do mágico,
Mas meu bolso tem durex
E o coração durepox,
E talvez tu nem te toques
Que onde vais de Jackson,
Eu vou de Jáquissom,
Que este anda de jegue, sô,
Aquele, de Tucson
De intercâmbio automático

E nem diga que eu só quero sexo
Que, diriam Brodel e Febvre,
A verdade é reflexo
Ou mesmo anexo
De uma sociedade.
Ou seja:
É verdade o querer do sexo
Mas queria que tu te encostasse
Dois minutos em minha rede
Antes de me partir,
Pra deixar-me com dois dedos
De saudade

domingo, 20 de janeiro de 2013

Paixão Anatômica

O coração vive tão só
Que não lhe deixam tocar nem mesmo o pulmão.
O coração vive só, que é independente,
Que há quem lhe proteja e lhe estenda a mão:
O PERICÁRDIO!

As vísceras seriam um cadarço embolado
Se vivessem todas lado a lado,
Que as vísceras são como irmãos:
Se ajudam, mas não podem se encostar
Sem sair na mão.
Mas há quem lhes abrace, lhes envolva,
Há quem lhes pacifique e lhes diga não:
O PERITÔNEO!

O pinto é brigado com o cu
E só quer lhe foder.
O cu é enciumado da vagina,
Que retém mais poder.
Mas há quem com dura mão
A base de muito suor
Lhes separe, lhes acalme,
Lhes diminua a tensão:
O PERÍNEO!

E eu, que vivo só,
Sou irmão de mim mesmo,
Que me amo e vivo brigado comigo,
Ando embolado e enciumado,
Não tenho quem me proteja,
Me acalme, me estenda a mão,
Me envolva, me abrace,
Me diga não.

Pois vem cá e me ouve!
Ouve o apelo desse nego teu
Periniza-me,
Vem ser meu periêu!

A Lembrança

A lembrança,
A lembrança endiabrada
É uma versão enviesada
De um passado que se consome

O passado,
O passado se faz sombra
E o presente o desmembra
E, desmembrado, o encarna
Em-carna-ação

Perceba, como por exemplo,
Que hoje eu não quero nada,
Nem mesmo quero a minha querência de nada
E desquero o desquerer de toda a minha quereridão,
E ainda assim me torturo
Sendo filho de um passado
Maquiado de presente, transmutado em futuro
E amante mais assíduo
Da solidão