domingo, 19 de agosto de 2012

Do Banzo


Banzo é o estado de ânimo
Daquele que se encontra enzambuado
Seja ateu ou bento 
Pode ser branco ou bantu 
Com o mundo ou um chinelo de poupança
O banzo não escolhe credo, cor ou finança

Enzambuado é o sujeito arreliado 
Que não quer saber de furupa ou furdunço
É farnizim
Dos saudáveis, é o mais próximo do finado
Dos moribundos, é o que mais aguarda o fim

Furdunçu é fuzarca
É estado de ânimo exaltado
É boi de matraca
É carnaval
É cachaça, é maizena na piscina
Furdunço é carnaval!
Banzo é quarta feira de cinzas

E toda segunda feira
Consiste em espaço de tempo que despreza o banzo do enzambuado.
Que pise o pano de costela essa carnificina!
Que suba nas ancas e cuspa encima!
Que venha a segunda em sua ânsia e febre!
Mas nos deixando a felicidade de dizer
"tu é segunda e nunca será primeira
Que primeira é domingo, dia do homem alegre!"

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Já Deu


Tu diz que vai, mas nunca parte
Tu é um terço da minha vida
Eu sou dois terços 
Da tua vaidade
Tua brincadeira já nem disfarça 
Mas veja que a menina que deixou de mamar 
É desmamada
E tu, que deixou de ter graça?

Desalmada, tu que escolheu
Eu nem queria, mas ainda te dei uma escolha
Pois vá lá ouvir berimbau de sotaque gaulês 
Que o meu ainda tem o cheiro canalha
De terra seca e de orvalho na folha
Ainda que não soe tão bem desde que tu fez
A cabaça quebrar com tua ginga falha
Mas perceba que quem torna tudo em amor 
É amável
E tu, que me tornou em miséria?

Maleável, te enrigece as decisões
Me deixa em paz, fica na tua
Tu me quer como amigo
Eu te quero nua
Tu me quer atrás de ti
Eu também quero, mas não bem assim...
Tu quer meu peito num prato
Como eu te quero? De fato!
Note, porém que a velha que está prestes a morrer 
É moribunda
E tu, que vive no mundo a vagar?

Desafunda! Que eu ainda estou submerso
Mas teu rio não é bem o mar que eu mereço

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Regresso do Nonato

        Tantos meses de volta a esse apartamento, tudo arrumadinho, um pouco de poeira, uma ou duas lâmpadas queimadas, uma descarga com defeito. Mas na chegada não foi assim. A limpeza do apartamento era tanta que, ao entrar, tive uma incontrolável vontade de lamber o chão. As lâmpadas queimadas eram tão belas, sem fios à mostra, tinham até um botão para ligar e desligar. Era só ir à venda da rua seguinte comprar outra lâmpada e botar no lugar das queimadas. IR À VENDA DA RUA SEGUINTE, tão simples que quase me faz chorar. E a descarga quebrada? Em nada se compara com aquele buraco onde urinávamos e defecávamos todos ao som dos costumeiros gritos "muita água nesse boi", "desce regando", "desce junto!", e onde colocávamos uma garrafa de coca cola cheia d'água para impedir que os ratos subissem.
      Tantos meses de volta, deixam a gente besta, fazem a gente pensar que nessa nossa vida alguma coisa é séria. A gente pára pra pensar em paixões cinematográficas, dramáticas, analisa cada frase e gesto do passado, tentando entender porque o amor não deu certo. Pensa que tem amigos. Pensa que o trabalho deve ser o complemento da alma, a felicidade total. Por onde será que entram essas idéias nesse apartamento? Deve ser pela TV...
      E aí vem a lembrança do que se passou. Uma simples sentença. "O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro lhe quer de volta em seus braços". Com essas palavras não é difícil lembrar aquela noite em que tudo o que eu queria era subir o Brasil como um indigente, deixar essa vida perseguida para trás. É fácil lembrar que os únicos amigos são o pai, a mãe, os irmãos, uma ou outra tia. E são essas as paixões também. Talvez inventemos outros amores porque os pais um dia devem morrer e o peito tem medo de frio. Pois lhe garanto, depois desse dia, o peito vive de frio, ainda que esse mimetise calor. E o trabalho, fiquem vocês com a felicidade do escritório, meu trabalho será pelo dinheiro.
      Tantos meses de volta a esse apartamento fazem a gente se acostumar a reclamar de coisa pouca. O café tem até ponto certo. Vê só, num dia a questão é "será que hoje tem café", ou "será que esse café tem café", de repente passa a ser "será que esse café está no ponto". E o café que agora bebo um pouco mais amargo do que o que me apraz me faz pensar que a liberdade é algo de que nada sabem os livres. Assim como de nada sabem da saúde os saudáveis, até que o doutor nos diz "meu filho, isso aqui ou é poeira no tomógrafo ou é um tumor no teu cérebro". Aí o saudável começa a sentir saudade da saúde: a saudade é póstuma. Aí o livre sente falta da simplicidade de ir comprar uma lâmpada na venda da rua seguinte.

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Mulher da Minha Vida

Quando resolvestes partir
Olhei para ti e disse se vá!
Não leve a lembrança do meu cheiro
Nem o gosto dos meus beijos
E não olhe para trás

Pois sei morena
Que tu és faceira e danada
Dás mais umbigada que coreira
És mais indigesta que feijoada
Sei que não ficarás um só dia
Distante da orgia
Do tesão compartilhado
Pega, morena, tua putaria
E saia do meu lado!

Partistes de mim
Vous êtes allé à Paris
Meu coração foi condenado
No primeiro mês, chorei
No segundo, me embriaguei
No terceiro, chorei embriagado

Mas um dia o meu cd
Do Amado Batista ralou
Eu, sem ter o que fazer,
Fui ao Parque da Cidade
Sentado perto dos isqueitistas
Ouvindo com cara de turista
Aquele roque andergraunde
Vi uma velha de guarda chuva
Com carinha de viúva
Dando pipoca aos macacos

O que todos achavam tão bonito,
Eu enxerguei aflito
Naquele exato momento
Pois, para mim, teu amor era a velha
Jogando migalhas
Aos meu sentimentos

Resolvi te esquecer
E matar a velha do teu amor
Que residia no meu peito
Fiz as pazes com a orgia
Fiz de mim o meu senhor
Vi meu amor desfeito

Estava tudo preparado
Te encontrar pela vida
E te desprezar, minha querida,
Seria o último ato
E foi numa esquina de Julho
Que te vi sorridente
Vindo ao meu encontro
Pus as mãos nos quadris
Meus olhos nada gentis
Meu desprezo estava pronto

Foi quando eu vi
Sobre tua morena fúrcula
Um broche em coração
Que dizia mon amour
Sobre a foto de um francês
Com cara de alemão

Olhei-te sério, enojado
Com o queixo empinado
E tez de dama mal comida
E falei-te claramente
"Dá-me agora um beijo
Mulher da minha vida!"



sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Corda Mi

O primeiro violão da minha memória passou na minha mão aos quatro anos. Pra infelicidade do tocador. Em meio àquele salão do clube da cidade, eu me escondi de baixo da mesa de sinuca e vi ao lado aquele violão, tão grande que eu nem pensava em segurar ele. Quase maior que eu. E numa atitude que hoje chamo de filhadaputagem, torci as tarraxas esperando ouvir uma música, como quando eu torcia os botões do microssistem pra fazer tocar meu cd dos mamonas. Não saiu música, e acabou-se a memória aí.
O segundo violão que me marcou veio depois do show do meu tio. Era trinta de julho de mil novecentos e noventa e oito. Tinha oito anos. E até os onze, só acreditei que dele saía música porque meu tio tocou uma canção ao me dar o pinho.
Aos onze aprendi a tocar. Eu queria mesmo era fazer aula de desenho, mas porra... Tio Zeca me deu aquela viola, sacanagem... Fui lá, aprendi.
"Maranhão, deixa de ser nerd cara, na nossa idade a gente tem mesmo é que ouvir rock, ou pagode, que seja. Mas essas tuas músicas é só pra quando a gente já tiver perdido o ânimo". Dizia o guitarrista do colégio. Devia ter razão, até hoje meu gosto poderia ser avô do gosto da galera. Só sei que eu tinha um acordo com a mãe de que ela me daria uma sanfona se eu entrasse num esporte e fizesse um regime. Hahaha, que merda, entrei na capoeira por causa da música. Mas, voltando, troquei o acordo de sanfona pra guitarra. O regime veio aos quinze anos, por causa de uma mulher. A guitarra, aos catorze, porque mãe é mãe. Sei que dela saíram alguns meses de rock, alguns fins de semana de reggae e anos de roupa pendurada, como hoje está.
Quase enlouqueço com a percussão da capoeira. Quase piro com os tambores maranhenses. Quase choro, ou choro mesmo, com os forrós de fundo de quintal na casa da vó. 
Me veio um berimbau, uma gaita de onde ainda não sai música, um cajon, entre outros esquecidos. E o novo ar da minha vida, o cavaquinho.
Mas isso tudo é pra contar que eu tenho uma loucura absoluta na vida, que são os instrumentos musicais. Não posso ver um que saio contando as cordas, olhando a madeira, o couro, as reentrância, as pinturas, enfim, um monte de coisa. E na tua canção de um amor sozinho tem uma mulher segurando um violão. E nesse violão tá faltando uma corda, a corda mais grave, a corda Mi. É um violão de cinco cordas. Engraçado, é a corda que eu mais toco, adoro sons graves, como o roncador do tambor de crioula, o berimbau gunga, o baixo e a corda Mi do violão. Às vezes a gente tem escolhas e nem sabe como é carregada de coisas importantes para outras pessoas, por mais que não se queira nesse momento um violão sem a corda Mi. Adoro sons graves, são tão vadios. Obrigado por cada poesia tua. Mas eu guardo uma caixa de cordas Mis vadias no meu latíbulo, vadias como eu mesmo. Obrigado por cada poesia tua e por tua paixão.