quinta-feira, 26 de maio de 2011

Leia se quiser

Na pressa de limpar o cu,
após o gesto que aproxima a humanidade inteira,
às vezes mesmo em meio à caganeira,
temos a habilidade de um proletário industrial.

Papel na mão
(em dias ruins, o papel de jornal),
se corta
se dobra
dedo no centro
limpa
dobra
dedo no centro
limpa
dobra
lixo

Acontece que toda indústria,
por mais que funcional e pró-ativa,
tem sua taxa de erro que, taxativa,
a propaganda nega com ardor.
Assim também é o processo limpador,
cuja pressa ensina a ser ágil,
mas que a pressa torna, às vezes, frágil.

Afinal, quem nunca cortou o papel
e o corte saiu errado,
ou, quando o dobrou,
deixou exposto o outro lado,
ou não mirou o centro
e saiu da luta de dedo melado?

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Canto de Capoeira (Angola)

Meu mestre, eu não sou daqui
Venho lhe dizer
Eu venho de longe
Vim pra lhe falar
Se minha berimba hoje toca entre os filho de Luanda
É porque cresceu tocando por lá

Jeje, Jejé
Eu sou de São Luís
Jeje, Jejé
São Luís do Maranhão
Jeje, Jejé

Minha nação não é nagô
Sou do Queberentã de Zomadonu
Eu sou da Ilha da paixão

2008-2011

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Canto de Cursinho

Preso nesse mundo,

perdido em apostilas,

apótemas, propanoatos de metila,

desprezo o atrito social.

Quanto ao aspecto conjuntural

que move tal mundo que me ilha

o entendo ao trago de montila

de etanol que meu senso inibe,

junto à coca-cola diz-se Cuba Libre


Quando não, sem mesmo pensar,

cedo energia a um tal sistema,

e geme a ema num tronco

onde antes gemia um sabiá

(inda me reclama o mestre

do erro de tal nicho ecológico

Penso eu o poeta não é mágico,

mas se faz princesa deitar em pau-pereira,

por que restringir a cantiga à laranjeira?)


Lembra-me Alexandre, o Grande,

que, estudando na São Luís grega,

por Aristóteles dada a vida cega,

e por seu pai, a força de infantes,

disse um dia ante a cidade jônia:

Matem soldados, mal-amados, amantes

Façam mulheres morderem fronhas

Mas não toquem numa simples pedra

ou, de Fedro, numa oração canônica

Matem pessoas,

não idéias por esses anos,

deixemos isso para os imperadores

latino-americanos


Pois se um dia

eu imperar por algum canto,

decretarei que de debaixo de cada manto

só exista prazer, carne e nada mais.

Aliás, farei pó de tudo que é idéia

Ideologias não terão platéia,

e poesias serão escarro

Quem resistir querendo pensar

mandarei pra Alagoas,

lhe mostrarei músicas boas

e um maço de cigarros.

Quando cativo da terra amada,

terá então a saudade dada em suas mãos.

E vai ser o rebelde

pensativo como queria.

Não dou muitos anos para que,

ante a agonia, busque a ignorância

como nunca buscou o saber


Assim, com o conhecimento

acabado em meu mundo,

sem discussões que vão a fundo,

só se saberá de triângulos, Joules, carbonos

Com a história factual,

separaremos na escola o bem do mal.

Todos serão felizes na sábia ignorância

Mas sei que haverá um infeliz

que quererá a sapiência

e, na ausência de diretriz,

vai fazer tudo do zero.

Verá que a palavra não é um mero

molde de certo pensamento.

Descobrirá a dor do sentimento

e vai querer sobrepor o seu

ao de quem mais perceber isso.


E aí votará a haver sal

no nunca antes tão adocicado

mar oceano de Portugal

2008

Canto de Varanda

Aqui, da janela do apartamento,

Vejo todo dia, fim de tarde,

O sol descambando pra outra parte,

Pra onde voa meu pensamento.

E é pra lá que eu vou

É pra lá que eu vou

Quando o corpo venerar a alma,

A agonia se desfizer em calma

E o medo entrar em coma.

Vou me banhar numa cachoeira,

Comer de tudo sem receio,

Amar a feiúra do belo, ver a beleza do feio,

Chorar à toa, feito carpideira,

Vou tomar cana na mamadeira,

O leite eu tomo nas tetas da vaca,

Amar a vaca, o porco, o torto, o reto, o feto

o fato, o rato, o rio, do pinto o pio, o quinto,

o quarto, a sala, a sola, o solo da viola, a bola, a bala,

a fala, o fole, o bole-bole à tarde, a bolinha de carne,

A carne,

Eu quero sobretudo amar a carne,

Nem que lhe falte o cerne,

Que define onde o preconceito lhe cabe

Eu quero a carne, sem corante, sem tempero pronto

A carne crua, que já nasce ao ponto

A carne que afronta a entropia que manda

no antro e no derradeiro ponto do mundo.


09/05/2011