segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Por aí


Eu ouvi falar de ti
Por aí
Nos corredores onde eu ando

Eu bem sei que tu só me procura
Pra ouvir falar de ti
Que tu só me quer doçura
Quando volta da loucura
À alta madrugada

E eu ouvi falar de ti
Por aí
Nos caminhos em que me embrenho

Que tu me procura às seis da manhã
Quando larga o peito
De outro amor que não deu certo
De outro gozo feito, mas malfeito
Que tu quer se encontrar em cada linha que escrevo
E pensar
Que alguém fala de ti por aqui

Mas olha que eu ouvi falar de ti
Por aí
Por onde eu me escondo dela

E sabendo que tu se procura, egoísta, em mim
Me da vontade de te mandar pegar teu ego
E enfiar no rego,
Mas, eu por mim, não gostei
Que falavam, sim,
Mas era mal que falavam de ti

Tu já bem sabe que eu ouvi falar de ti
Por aí
Onde eu torço o pescoço da guitarra e ela já não chora

E nem adianta falar que tu não tá nem aí
Que eu finjo que aceito tuas poses
Em outros corredores,
Mas aqui,
Bem sei que tu aguarda ansiosa por quem fale de ti
E que tu diga que nada quer
Que a graça é conquistar
E...
Sei lá...
Au revoir

Mas não te entristece, menina de centro no ego
Sem métrica, óptica, boa visão,
Sem muita noção,
Que, ainda assim,
Eu ouvi falar de ti
Por aí

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Breve incômodo sobre a Depressão


O que há pouco foi coisa do capeta,
Personalidade a ser combatida
No castigo, no pau, na corda,
Hoje é moda
Em tudo que é roda
Na de samba, de capoeira e na punk

O que foi poesia, base do amor platônico,
(Também, embora diferente, moda)
Hoje, de jeito irônico,
É uma forma fácil de se ser grosso, mal educado
Mas com fácil aceitação

Afinal, é muito melhor ser-se um escroto
E no dia seguinte alegar
"Culpa da serotonina"
Trazendo consigo o aval da medicina,
Do que dizer
"Perdão, eu sou um escroto"
E baixar um pouco a crina
Para melhor convívio
Com os que te querem a amizade
Apesar do excesso de escrotinina

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Vizinhos da Frente


Ele deve ter uns setenta e não sei quantos,
Ela, uns sessenta e tantos anos,
Embora no seu prontuário mais recente
Deva estar escrito "idade aparente
Não compatível com a referida"

Ela tem um cachorro desses de apartamento
Que se criam pra cagar nos jardins,
Ele tem um gato gordo
E é do Tocantins,
Pelo que me disse a Rita, sua sobrinha,
Quando me fez uma visita

Ele mora no quarto andar e está na varanda fumando
Quando acordo às seis da manhã,
Ela habita o quinto e, se vê,
Madrugou com o cigarro na mão pegando fogo
Ela de pé,
Ele sentado,
Se preparam para o dia longo

Ela, há anos, traga a fumaça que já se tragou no caminho
No corpo dele que, há anos, fuma sozinho
Ele limpa, há anos, diariamente, a cinza da varanda
Que, há anos, cai do cigarro dela, indiferente

Ele talvez pule da cama cedo para lembrar
Dos seus tempos de piração e loucura,
Quando andava mal acompanhado, nunca só,
E tudo era farra, cana e pó

Ela, quem sabe, acorde cedo para odiar, como ontem odiou,
Aquele maldito e último amor,
Que lhe gozou e foi-se embora, e consigo sua alegria,
Que lhe amputou, lhe deixou a apatia

Ela, a vi há um ano,
Amanheceu um dia sem os cabelos,
Ele, não o vejo há um ano,
Não mudou em nada os gestos

Quem sabe se encontraram no elevador,
Ele lhe jurou amor, ela foi pro Tocantins,
Ou, sabe lá, até ficaram afins,
Mas havia tanto menino e gritaria,
Que nem se deram bom dia

Sei que hoje quem fuma no quinto andar
É uma mulher de aparentes trinta anos, filha dela,
E do quarto nicho já nada sei,
Que há um blindex na janela.

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Insônia


Nem vou fingir que dormi noite passada
De tão cansando que ando
De andar sendo tu na minha cabeça
De andar interpretando teus passos

Não finjo que dormi após te ver
Dependura nos lábios de outro
Que nem ao menos me é
Que nem ao menos eu sou

Não vou fingir que dormi, pois não dormi
E só sei que acordei num pulo
Te estapeando, materializando meu ódio por ti
E tu nem aí,
Como pode uma obra de sonho não sentir dor?

Não dormi que era teu rosto
Na minha reta a noite inteira
E demorei uns minutos pra voltar à minha rede
Após perceber que eu estapeava o Bob Marley
Desenhado na bandeira
Que se dependura na parede

Pra não dizer que eu não fui sincero, feliz aniversário


Meu caro amor,
Ando pensando em te dizer
Como me amarga te ver feliz,
Dizer que meus gestos de desprendimento
Tem o desprezo por intento
Que eu te quero infeliz ao meu lado
Ou feliz num convento,
Que o meu desapego
É um não pedir arrego
À vida de Deus me impôs
Por intermédio dos meus pais

Meu longo amor,
Me incomoda ir e voltar
E te ver manter a bunda no lugar
Não mexer uma fibra muscular para fugir de mim
Como eu rebolei da unha encravada do mindinho
À última ponta dupla dos meus mullets
Gritado "mulher, cala-te!"
Me retorci
Para não te ver sorrir
A uma EPTG daqui

Meu antepenúltimo derradeiro amor,
Queria te dizer,
Mas pra te fazer chorar, não pra rir, viu?!,
Que não é possível eu me dispor
A cultivar com tanto carinho
O ódio
Regá-lo no torpor
Cobri-lo de amargura
Cuspir nas folhas fel
Sugar cada gota de mel
Fazê-lo feder a bosta
Podar-lhe o que presta
E por tudo a perder ao mais ligeiro olhar
Dessa tua pele que eu nunca vi outra igual
Dessa tua boca que sugou tanto meu
mal
E que desencravou a bandeira de sua pátria
Para, assim, se encontrar ao lado de outro


terça-feira, 16 de outubro de 2012

Viagem


O vento lapida meu cigarro
Ponta de lança em brasa
Em guerra contra o fazer nada
Me abraça a fumaça os pêlos
E o vento espanca meus cabelos

A mão de fora da janela
Se dispõe a segurar o ar
Uma bola de ar
Se dispõe a provar que o ar
É matéria

Luzes de três tons que se dependuram
Nas orelhas do celeste
Serão uma estrela, uma torre, um rabo de avião,
Um brinco de Deus,
Ou um piercing na sobrancelha de Morfeu?

Feito um coágulo
Eu cruzo as veias negras do País
Que se encontram e se desencontram
E me desencontram
E eu tenho medo de me achar
E nunca mais me perder

É praxe a aceleração constante
É prazer se sentir cada vez mais distante
Da solidão
E é tanto medo, que o caminho que leva pra longe
Se separa da volta por uma simples linha
Intermitente
O retorno é certo, a linha é reta
E o medo constitui a alma dessa cidade de solidão
Que se afasta
Que se faz de morta