quinta-feira, 24 de maio de 2012

Adeus


Quantas noites divaguei
Tu de lado, eu te dando a mão
E se um dia me embriaguei
Não me faltastes frouxo,
Meu pendão

Acordar cedo, tu me rodando a cabeça,
E na labuta, tu me dizendo estar à espera,
Do almoço tu sendo o antepasto à mesa
Na sobremesa tu aguardando o meu beijo,
Como não te beijar? Também pudera
Às três da tarde, teu cheiro é lei
No por do sol te acho
Fingindo que não te procurei
O que não é fato, deveras
Pela noite não te conto
Os inúmeros e casuais encontros
Mas se nos contarem mais catorze afrontas
Tu me renegas e me faltas
Me deixando às altas
Horas tantas de insônia

Tua pele, tão acesa,
Se rarefaz no meu curtume
Teu beijo tão amargo
É adocicado pelo costume
E a cada amor que tu me dás
Te necessito mais e mais
Pois se mais atenção te dou
Mais fugaz o passo do tempo se faz

Amado, contigo se há de ir
Minha azia e meu pigarro!
Não me esqueça jamais,
Pois a duras penas te esquecerei,
Cigarro 

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Mas também, que loucura
Querer emaranharmo-nos as vidas!
Tua vida é tua entranha
Não tua extranha

terça-feira, 22 de maio de 2012

Assumo


Eu vou te contar uma verdade
Mas tu não conte pra ninguém
É que eu ando querendo a tua vida
Entremeada na minha vida
Feito farpa fazendo ferida
Bem no meio da popa digital
Entre essas linhas que dizem pra Deus
E pra polícia federal
Quem a gente é ou tá fingindo não ser

É bem isso!
Eu ando querendo tua vida
Pregada na minha vida
Feito ferpa
Tua vida melada do meu sangue, suor, sal
Tua vida me fazendo chorar
Tua vida me impedindo de tocar minhas cordas
Que tanto agradam o agrado de tantos
Entre prantos e outros tantos que se desagradam

Parece que é isso...
Tua vida me doendo pra caralho
E eu apertando ela cada vez mais
Porque parece que piora se tirar
Do que se se entregar de vez

É isso!
Fode minha carne, vida tua!



Velho Antônio


O velho Antônio já nasceu velho. Ele diz que não. Mentira! Conheci o velho há mais de vinte anos e ele já era velho. Mas ele contava que um dia foi menino, na terra distante das Barras. Na verdade, sempre achei as Barras perto, mais me pareciam distantes as capitais. Diz que menino aprendeu a viver o mato, a montar, caçar, comer macaxeira crua pra não morrer na beira do cerrado, dizer o que é macaxeira e o que é mandioca. Afinal, ele não queria morrer nem fazer farinha. Soube o nome de cada pé que dá no chão, e de cada ave que voa no céu. De cada céu. E aí viveu, viveu, viveu e depois conheceu Marenice. Cortou logo a conversa e a chamou de Maria, quando não Nega. Já não muito adepto das palavras, aprendeu o nome dos vários filhos. E aí parou, não aprendeu mais nome de ninguém. Os tantos netos eram o bodim, o furrequinha, o gordim, o galego, a neguinha, a cabritinha, o fião, o bito (andou perto de aprender Antônio Vitor, mas se recusou). Claro que o fião virava o furreca numa simples questão de momento.


Acorda de madrugada dizendo pra Nega ser meio dia, veste a calça de brim, veste a camisa de manga comprida, com aquele bolso feito pros cigarros, calça a japonesa, que com o tempo se chamou havaianas, veste o alforge com um pote de margarina cheio de frito de farinha d’água, uma garrafa d’água gelada que teimava em doer na testa de algum neto afoito, uma garrafa do melhor café da melhor Maria, veste o facão embainhado na cintura, desce a ladeira de piçarra, dá adeus ao mundo. Volta à noite com necessidade de pagar suas contas. Triste coincidência os credores sempre se acharem no rumo do bar do Xibiu.

Um dia o doutor lhe falou “largue o cigarro, tu morre”. “Morro não” e largou. Lhe disse “largue o café, tu morre”. “Morro não” e largou. Disse “largue a piga”. “Morro!”

Foi num forro pé-de-serra, que só tem esse nome pros novos, pra ele é só forró, ou farra, ou cana caiana, do lado do triangueiro, com os olhos lacrimosos não se sabe se de tristeza ou de Bhrama gelada vazando pelo ladrão que falou pro gordim (adepto da teoria da Bhrama, já que seu avô não chorava) “não te acompanho crescer”, disse o neto “acompanha”, “tu quer ver?”. E aí ele que tinha tantos anos, resolveu ter todos. Ficou preso no próprio corpo, se entregou ao catatonismo. O neto, sim, chorou ao ver aqueles olhos azuis como o céu da manhã por detrás dos coqueiros de Luís Oliveira presos ao corpo imóvel, feito dissesse “Nega, descuida de mim, me deixa ir”. A cabeça ainda guardaria as onças que o tio Chico matou? O burro correndo atrás de Chico Lira? O João Facundes, o João Caetano? A fábrica de sabão, o alambique, o sítio de laranjas? Manteve os olhos baixos, não olhou pro neto, pois não podia vê-lo crescer. Então o gordim lhe escutou o coração, o pulmão e lhe avaliou as sístoles e diástoles. E se foi dali sabendo que já não era do seu avô aquele coração batendo em heroico ritmo binário.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Desenho


Sei que eu me apego a imagens
E que nelas há mensagens que só entendem os que olham com destreza
E que nelas há sorrisos que disfarçam a tristeza
E que há olhares que embebedam qualquer homem sóbrio

Desculpe se me apego às tuas imagens
Feito um órfão que encontra no fundo da gaveta
Os olhos da mãe à espreita
Num eternizado reboliço de cores

Sei que teus olhos são vulgares!
E não pretendo gastar a tinta, a pena e a mão
Fazendo o refrão de canções que tantos já cantaram
E que, pelas madrugadas, tantos dedos aleijaram

Mas que pensar da imagem que fizestes de ti?
Tua alma se interpretando
Tantos olhos maltratados
São lindos os cabelos e os coqueiros e os pássaros
E o meio sorriso que engana teus amados
Feito dissesse "Eu pássara. Tu passarás!"

Mas sob as sobrancelhas tão bem desenhadas
Há algo que em nada me agrada
Sei que teus olhos são vulgares!
Me parecem uma miragem
Mas não são teus os olhos
Que eu vejo na imagem

17/05/2012

Amor de Carnaval


Amor de carnaval é o mais sincero que eu já vi!
Eu quero te ter, não me conte conversa
Tu me queres inteiro, não te conto tristeza
Amor de carnaval é pura beleza
Não me conte tristeza
Que eu encurto a conversa!

Amor de carnaval é sempre impune
Não há inquérito, prisão, confere
Se há choro, se alguém se fere
Só sangra até o amor
Que se acha no próximo cone
Da polícia militar

Carnaval, como é fácil te amar!

Mas como viver do teu amor, carnaval,
Depois da quarta de cinzas?
Como ousas me fazer apaixonar, carnaval,
Por um amor tão semelhante ao teu?
Me joga ao léu, não me faz te encarar!

Carnaval, como é fácil te amar!


17/05/2012

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Do Amor

Caio nessa
Caio, confesso
Não caio! disse
Não caio!! disse
Caí nos seios de Nice

Pro jovem, caretice
Tombo certeiro ao velho
que assume sempre cair-se
já não nega ferir-se

A todos serve igual
De boca, cai o que serve à moral
De peito, o que não presta pra servir
o que atesta possuir

Não escapa o homem torto
a penetrar-se em qualquer festa
se assumindo só e próprio
Nem tampouco o homem besta
a esconder-se em qualquer fresta
refugindo-se ao ópio

Se Caio, César, cais também
Em cais além do olhar de Dom Henri
Do Daomé, cai o plebeu em Itaqui

2006

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Cantiga da Evolução


Vovó me disse pra eu ser criacionista
Pois foi só Deus, que é o maior, quem me criou
Mamãe me disse “bem, meu filho, escute Darwin
A evolução fez a vaquinha, a uva e tu!”
Vovô me disse “meu filhinho, o que tu vê
É obra de Mawu, Nzambi e Olorun”
Papai me disse “atenção, meu filho em Marx
Que a criação é obra do trabalhador”

Mas a verdade é que eu tô pouco me fudendo
O que eu quero é namorar, correr, cair, beber, fumar
Se a vaquinha tá aí para eu comer
A cobra, a fome e o HIV estão aí pra me matar!

02/05/2012

terça-feira, 1 de maio de 2012

Alcântara

Na terra de Alcantra, onde o mato é verde,
E o sol cega e a terra queima e a costa arde,
Vive uma sereia que, quando se tem sorte,
Não se vê em vida, posto que vira morte

No tempo do amor, quando o peito se enriquece,
Dá flores, e de repente tudo se pode,
Não se abre jazigo pra flor que apodrece,
Nem se poupa pra caso o amor fique pobre

Assim, um coração desavisado ruma
Numa piroga, e é a tristeza quem rema,
Com um ramo na mão, pra Alcantra, que já dorme

Vê de longe as pedras que abrigam Dom Pedro!
Busca n'África o cedro de Sebastião!
No caminho repousará teu coração.



maio/2012