quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Vizinhos da Frente


Ele deve ter uns setenta e não sei quantos,
Ela, uns sessenta e tantos anos,
Embora no seu prontuário mais recente
Deva estar escrito "idade aparente
Não compatível com a referida"

Ela tem um cachorro desses de apartamento
Que se criam pra cagar nos jardins,
Ele tem um gato gordo
E é do Tocantins,
Pelo que me disse a Rita, sua sobrinha,
Quando me fez uma visita

Ele mora no quarto andar e está na varanda fumando
Quando acordo às seis da manhã,
Ela habita o quinto e, se vê,
Madrugou com o cigarro na mão pegando fogo
Ela de pé,
Ele sentado,
Se preparam para o dia longo

Ela, há anos, traga a fumaça que já se tragou no caminho
No corpo dele que, há anos, fuma sozinho
Ele limpa, há anos, diariamente, a cinza da varanda
Que, há anos, cai do cigarro dela, indiferente

Ele talvez pule da cama cedo para lembrar
Dos seus tempos de piração e loucura,
Quando andava mal acompanhado, nunca só,
E tudo era farra, cana e pó

Ela, quem sabe, acorde cedo para odiar, como ontem odiou,
Aquele maldito e último amor,
Que lhe gozou e foi-se embora, e consigo sua alegria,
Que lhe amputou, lhe deixou a apatia

Ela, a vi há um ano,
Amanheceu um dia sem os cabelos,
Ele, não o vejo há um ano,
Não mudou em nada os gestos

Quem sabe se encontraram no elevador,
Ele lhe jurou amor, ela foi pro Tocantins,
Ou, sabe lá, até ficaram afins,
Mas havia tanto menino e gritaria,
Que nem se deram bom dia

Sei que hoje quem fuma no quinto andar
É uma mulher de aparentes trinta anos, filha dela,
E do quarto nicho já nada sei,
Que há um blindex na janela.

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